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DA DEFESA NO PEDIDO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA EXTRAJUDICIAL COM CONTRATO DE COMPRA E VENDA NÃO QUITADO

A usucapião, tanto por via judicial quanto cartorária, é instrumento legítimo para requerer a transferência da posse de imóvel usufruído de fato pelo requerente sem interrupção ou oposição pelo tempo determinado em lei para cada um dos casos específicos, resultando em título para registro no Cartório de Imóveis onde está registrado o imóvel usucapto.

O proprietário que é parte em Pedido ou Ação do tipo relativa a imóvel que é habitação do requerente há mais de quinze anos tem apenas a impugnação do pedido, protocolizada junto ao cartório responsável, como forma de defesa, visando conversão do procedimento extrajudicial para ação judicial, na qual juiz competente realizará o julgamento da causa prontamente após o recebimento dos autos advindos do cartório.

Não existe forma prevista em lei para a oferta da impugnação, devendo esta apenas apresentar razões válidas de direito que colocam em xeque a legitimidade do pedido apresentado em cartório, com atenção aos termos dos artigos 1.238 a 1.244 do Código Civil, 216-A da Lei de Registros Públicos 6.015/73 e, principalmente, os artigos 416 a 425 do Capítulo XX das Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=138285, fls. 549 a 568), entre esses, especialmente o 420.

Em situação em que não foi, previamente ao pedido de usucapião, contestada a posse ou protestados os valores relativos à transação imobiliária incompleta, resta ao proprietário registrado em cartório atacar, em sua impugnação, o Animus Domini do autor, evidenciar que não carrega consigo, o possuidor temporário do imóvel, a intenção de dele ser proprietário.

À primeira vista, parece absurdo afirmar que pessoa que reside no mesmo imóvel há mais de quinze anos não possuí intenção de ser proprietária. No entanto, doutrina e jurisprudência diferenciam a posse precária daquela com Animus Domini, visando afastar daqueles que sabem, por contrato assinado e não cumprido, não serem os legítimos proprietários de imóvel discutido, a possibilidade de requerer transferência de título imobiliário.

Na página 72 da 7ª edição de sua obra “Usucapião de Bens Imóveis e Móveis”, o Prof. Dr. José Carlos de Moraes Salles afirma não serem os detentores da posse por razões contratuais efêmeras revestidos pelo Animus Domini:

1.4.5. O animus domini.
O locatário, o comodatário, o usufrutuário e o credor pignoratício não possuem com animus domini. Os fâmulos da posse (caseiros, administradores de fazenda etc.) são meros detentores da posse.
O terceiro requisito para que se concretize a usucapião é o animus domini por parte do possuidor. Deve ele ‘possuir como seu um imóvel’ (art. 1.238 do Código Civil em vigor), ou seja, com ânimo de dono (quantum possessum, tantum praescriptum).
(…)
A vontade, pois, a que se deve atender, como ensina Ihering, é abstrata, ligada à causa da detenção.

Por isso não é possível ao comprador insolvente requerer a usucapião: a causa da detenção do imóvel é a existência de contrato entre as partes. Dessa forma, a intenção de ser possuidor não se demonstra através do exercício da posse, mas sim do adimplemento às cláusulas contratuais, o que não o faz. Ou, nas palavras do Prof. Dr. João Nascimento Franco, em artigo publicado na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 24:

(…) a condição de compromissário comprador do imóvel prejudica a qualificação da posse como ad usucapionem e o compromisso como justo título, que a lei considera indispensável. À luz desse entendimento, o compromissário comprador é simples possuidor direito dependente da posse indireta do promitente vendedor. Em outras palavras, mero aspirante à transmissão do imóvel, possuidor em virtude de uma relação contratual e, pois, sem ânimo de dono.

O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência pacífica sobre o tema:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. USUCAPIÃO. INCOMPATIBILIDADE. ANIMUS DOMINI. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no
sentido pretendido pela parte.
3. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em regra, a posse decorrente do contrato de compra e venda de imóvel não ampara a aquisição por usucapião por ser incompatível com o animus domini.
4. Na hipótese, rever a conclusão firmada pelas instâncias ordinárias, para verificar a existência de animus domini, demandaria a análise de fatos e provas dos autos, procedimento inviável em recurso especial devido ao óbice da Súmula nº 7/STJ.
5. A incidência da Súmula nº 7/STJ prejudica também o conhecimento do recurso quanto à divergência jurisprudencial alegada
6. Agravo interno não provido.

(STJ – AgInt no AREsp: 1702078 SC 2020/0113333-4, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 14/02/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/02/2022)
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RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE DECORRENTE DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONTRATO DE GAVETA. ANIMUS DOMINI NÃO CONFIGURADO. POSSE MANSA E PACÍFICA. DEBATE. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ.

1. Pretensão dos recorrentes de usucapir imóvel adquirido por meio de cessão de direitos e obrigações decorrentes de contrato de mútuo de imóvel originariamente financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação com incidência de hipoteca sobre o bem.
2. Para a configuração da usucapião extraordinária é necessária a comprovação simultânea de todos os elementos caracterizadores do instituto, constantes no art. 1.238 do Código Civil, especialmente o animus domini, condição subjetiva e abstrata que se refere à intenção de ter a coisa como sua.
3. A posse decorrente de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por ser incompatível com o animus domini, em regra, não ampara a pretensão à aquisição por usucapião.
4. A análise da existência de posse mansa e pacífica demandaria o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do STJ.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

(REsp 1501272/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 15/05/2015)

Assim, tem-se que a forma mais adequada, aos olhos do Direito Brasileiro, para proteger o possuidor em cartório de imóvel que já foi objeto de compromisso contratual é a fundada alegação de falta do Animus Domini, largamente aceita como descaracterizadora das condições para a efetivação da usucapião.

Jorge Abud

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